Já não posso voltar atrás, porque nunca se pode voltar atrás. Só o arrependimento daquilo que não escolhemos persiste, existe.
Ultimamente tenho lido uma variedade impressionante de livros. Seja por obrigação ou por diversão, tenho encontrado nessas leituras as mais variadas formas de escrita, histórias, personagens e desfechos.
Recentemente terminei a leitura de Nenhum Olhar, livro escrito pelo português José Luís Peixoto no ano de 2000, e embora tenha sido uma leitura difícil (muitas vezes voltava a leitura para entender, ou tentar entender o que estava sendo dito), preciso concordar que foi surpreendente.
Já havia lido muitas obras portuguesas ao longo da vida, mas nada que contemplasse autores mais recentes e José Luís Peixoto me veio como essa quebra, uma nova experiência que iniciei sem muita animação, mas concluí com vários pensamentos a respeito da vida e das nossas escolhas.
Sei agora, o fim e o desespero são a serenidade de uma solidão eterna e irremediável, são uma mágoa que é um sofrimento eterno e irremediável, tudo eterno e tudo irremediável, são o silêncio de quem chora sozinho numa noite inteira.
Nenhum Olhar é dividido em duas partes intituladas Livro I e Livro II. Entre os dois livros existe uma passagem de tempo, trinta anos, e as histórias se conectam de forma intensa e impressionante fazendo alusões bíblicas, narrando contextos arrepiantes, situações tão inimagináveis e, ao mesmo tempo, reais.
O personagem principal em ambos os livros é José, sendo um o pai e o outro o filho, e ao narrar os problemas, as dificuldades, os anseios e os desesperos deles, Peixoto nos trás histórias paralelas que endossam a narrativa e nos prendem em cada detalhe.
No Livro I conhecemos José, um homem apaixonado pela empregada da casa do doutor Mateus. Eles se casam em uma cerimônia repleta de detalhes grotescos, situações estranhas para qualquer casal sonhador e têm um filho, José.
Enquanto a história dessa família que seria normal, mas não o é, se desenvolve, conhecemos outros personagens interessantes. Moisés e Elias são gêmeos siameses de setenta anos, grudados pelo dedo mindinho. Moisés apaixona-se pela cozinheira do doutor Mateus e se casam no decorrer do romance.
Outro personagem interessante é o velho Gabriel, homem sábio que aparece sempre com conselhos aos moradores de Alentejo, mas geralmente não é ouvido.
Cito ainda quatro personagens secundários que são de fundamental importância na narrativa: Judas, o dono do bar onde José é tentado, o demônio, uma figura que aparece como a tentação de todos, e também é o celebrante de todos os casamentos, o gigante que é um ser asqueroso que terá um fim merecido e a prostituta cega que é filha e neta de prostitutas cegas.
O Livro I tem ainda duas alegorias que se repetem no Livro II, a voz que sai da arca e o homem dentro do quarto sem janelas a escrever. Elas são essenciais durante a narrativa, apresentadas em diversos contextos e momentos e tem grande importância para o desfecho do livro.
O final do Livro I é surpreendente. A narrativa que finaliza a história de trinta anos atrás é crua, sem qualquer delicadeza, demonstrando tal qual os fatos que a sucedem com frieza e qualquer vestígio de sentimentalismo.
Chega devagar, mas vem; aproxima-se e será um dia infinito, uma noite eterna, um instante parado que não será um instante; e os assuntos grandes serão menores que os mais ridículos, e os assuntos grandes serão ainda maiores porque serão os únicos.
O Livro II conta a história de José, o filho. Esse é apaixonado pela empregada da casa do doutor Mateus, essa é a filha de Moisés e a cozinheira. Todavia, em um golpe de azar, a moça, que também tem sentimentos por ele, casa-se com Salomão, primo de José. Os três vivem uma situação complicada, revivendo, de certa forma, a situação de trinta anos atrás vivenciada por José e sua esposa.
As histórias paralelas ao triângulo amoroso são vividas por Mestre Rafael, serralheiro aleijado de braço e perna direita e a prostituta cega, filha da prostituta ceha do Livro I. Ambos se apaixonam e se casam. Ela engravida e o desfecho desse amor é o mais intenso que se possa imaginar.
Temos ainda a presença do velho Gabriel, ainda em sua função de aconselhar, de tentar mostrar outros caminhos além dos vivenciados pelo povo de Alentejo.
Aqui ainda encontramos Judas e o o demônio exercendo as mesmas funções de antes, além de alguns personagens que estavam presentes no Livro I com maior destaque.
O final do livro é poético e deixa o leitor com a sensação de que a vida não deveria ser tão complicada como é ou que a vida é simples, mas cada um de nós, ao vivenciarmos aquilo que nos é oferecido, complicamos tudo, abafamos nossos sonhos, desejos e sentimentos.
Penso: talvez o sofrimento seja lançado às multidões em punhados e talvez o grosso caia em cima de uns e pouco ou nada em cima de outros.
O livro não tem das leituras mais fáceis. Peixoto não utiliza narrativas e preenche o espaço narrado com estilística, psicologia e personagens-pessoas com sentimentos abafados pela sociedade na qual estão inseridas, fadadas ao sofrimento e à tristeza ao assumirem sobre si o compromisso social acima do pessoal.
Toda construção da narrativa é triste, com personagens silenciados, mas que falam muito através do olhar e levam sobre si, mesmo com tanta dor e sofrimento, um bom sentimento de empatia ao próximo, todavia é impressionante a força que eles apresentam ao abdicarem de suas vidas e felicidades, a falta de esperança e o marasmo no qual se inserem. Nenhum Olhar é uma narrativa de tristeza, de desamor e desesperança.
O mundo acabou. E não ficou nada. Nenhum sorriso. Nenhum pensamento. Nenhuma esperança. Nenhum consolo. Nenhum olhar.
Título: Nenhum Olhar
Autor(a): José Luís Peixoto
Editora: Agir
Edição: 2005
Ano da obra / Copyright: 2000
Páginas: 192
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