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Hereditário e as possibilidades do cinema de terror

Cartaz do Filme

Desde que o cinema de terror é o cinema de terror, ele causa controvérsias. Hollywood os produz aos montes todos os anos, mas não reconhece seu valor artístico, deixando-o de fora das premiações mais importantes.  Muitas produções são classificadas como filmes B, muito embora se encontrem pérolas da sétima arte neste seguimento, relegadas a serem vistas pelos mais curiosos e aos verdadeiros amantes do terror já que nunca terão os destaque do mainstream

No início do cinema, as histórias de criaturas maléficas, médicos malucos com suas criações aberrantes e mortos-vivos sedutores em capuzes negros era o que dominava o gênero. Mais adiante, William Friedkin, Alfred Hitchcock, Roman Polanski, George Romero, Brian de Palma, Stanley Kubrick e até Steven Spielberg trouxeram mais formas de se contar sobre a temática do medo e mexer com seu espectador. É contada um fato que, após Spielberg lançar Tubarão, as pessoas ficaram com receio de frequentar praias e a caça ao animal se intensificou.
Bela Lugosi, primeiro astro do gênero
com seu Drácula

Já nos anos 80 outras vertentes aderiram ao terror e o expandiram em subgêneros. Os serial killers ganhavam mais destaque na mídia com a alcunha do termo e o surgimento de monstros reais desde a década passada com os casos do Assassino Zodíaco, Ted Bundy, Filho do Sam, dentre tantos outros que aterrorizavam e fascinavam com os sentimentos da população.  O slasher movie, um dos mais notórios subgêneros, é a própria essência das produções B com seus assassinos implacáveis de Hora do Pesadelo, Sexta-feira 13, O Massacre da Serra Elétrica, Halloween - apenas para citar os mais famosos.
Mike Myers, de Halloween
Nos anos 2000 para cá, o found footage virou sensação com a estreia de A Bruxa de Blair e as definições de filmes de baixo orçamento foram redefinidas, já que sua produção e execução se tornou ainda mais barata e acessível aos cineastas amadores. Ainda há uma briga sobre quem ama e quem odeia esse tipo de filmagem até mesmo dentro do grupo dos fissurados pelo gênero em pauta. 

Atualmente, todas essas formas de se fazer cinema de terror coexistem. A globalização ainda nos permitiu conhecer a produção de outros países e os asiáticos e os franceses, por exemplo, se destacaram com louvor em seus modos inquietantes de contar sobre o que provoca pavor. O Chamado e O Grito foram duas adaptações norte-americanas de longas nipônicos de sucesso. O francês Martyrs nunca deixa de marcar presença em listas de melhores e mais perturbadoras películas assustadoras dos últimos tempos.
Cena do filme Tubarão. Gente, agora que percebi
como parece um bonecão, kkkk
De tempos em tempos, algum desses temas, - criaturas descontroladas, forças desconhecidas do mal, possessões, assombrações, assassinos incansáveis, filmagens perdidas - desponta mais que as demais e causam certo furor. Me lembro bem quando Atividade Paranormal ganhou holofotes devido ao seu marketing exagerado panfletando que as pessoas morriam no cinema ao assisti-lo, rendendo tantas sequências para uma história, no mínimo, simplória. James Wan, o diretor queridinho do gênero no momento, é outro que anda arrastando multidões para suas produções. Primeiro veio Invocação do Mal e Sobrenatural, depois um derivado, Annabele, e desde então o diretor passou a se tornar selo de confiança quando aparece em algum cargo na execução de longas. 

Tudo isso é muito bom. Eu, como uma fã masoquista do gênero (aquelas que sentem medo e não querem andar no escuro por uns bons dias, mas continuam vendo) quero mesmo é que mais e mais filmes apareçam. Por outro lado, existe uma fórmula no mercado que virou batida e, particularmente, me irrita em histórias que só se valem disso: o chamado Jump Scary. Sabe quando aquele filmeco tá pra lá de entediante, com um roteirinho mais manjado que casa assombrada construída debaixo de cemitério índio e, de repente, o diretor joga um bicho na sua cara junto com uma música muito alta para te assustar? Então, é isso. 

No momento, os filmes de terror, aparentemente, vem sendo divididos em duas categorias quando entram na roda de assunto dos "especialistas". Agora as pessoas falam que esses são ou filmes jump scary ou filmes "que andam chamando de Pós-Terror, apesar de eu não concordar". É muito controverso isso, porque quando se falam em jump scary, como eu disse ali no parágrafo anterior, a má qualidade quase sempre me vem atrelada e não posso desassociar Invocação do Mal, Rec (o espanhol) e Sobrenatural (todas as sequências) de bons filmes.
Bruxa de Blair e a cena que rendeu as piadas sem fim no filme Todo Mundo em Pânico.
No outro lado, rola uma discussão tão maluca quanto sobre formas de contar terror que sempre estiveram aí e por se valerem de uma narrativa mais intimista e interpretativa, que não se galga em picos de susto, vem ganhando a classificação de Pós-Terror. Quem começou toda a polêmica e cunhou estas obras como tal é o crítico de cinema inglês Steve Rose.

Todo mundo, quer dizer, os "especialistas" e a geral que se liga no gênero, não anda concordando muito com essa classificação. O doido é que, mesmo sem concordar, as pessoas ficam se galgando neste termo para deixar claro que aquele filme não se vale de sustos para cativar seu público e atraí-lo para o medo. Em outras palavras, pro bem ou pro mal o Pós-Terror pegou na boca de todos. 

Semana passada eu me rendi a mais um marketing desse suposto Pós-Terror, indo para o cinema assistir, Hereditário. A crítica o havia classificado muito bem e as expectativas estavam altíssimas do lado de cá. Comprei meu ingresso para uma sessão a tarde e durante semana, ou seja, cinema vazio (Glória!) e afundei na poltrona e na vida dos Graham. 

E gente, sai meio perturbada do cinema, rs. Sério, contínuo desorientada aliás,  e posso afirmar, com total confiança, que esse tal de Pós-Terror, que rola desde antes do pós, lá atrás com Bebê de Rosemary, Exorcista e O Iluminado (apenas alguns exemplos), é o tipo de terror que eu mais gosto. 

Acho que assistir um filme de terror, terror mesmo e não sessão sustos a revelia, é sair atônita e pensativa da experiência de assisti-lo. Fiquei assim com Corrente do Mal e aquela 'coisa' que perseguia o contaminado por toda a vida e sem parar jamais. Fiquei assim com A Bruxa e a voz sedutora do bode Phillip quando a convidou Thomasin a vestir roupas bonitas e provar o gosto da manteiga. Fiquei assim com o irmão da protagonista de Personal Shopper passando em segundo plano na cena, como se fosse algo muito natural para alguém já morto. E claro, fico eternamente assim com as atormentações de Jack Torrance no Overlook Hotel, que o levaram a querer destruir sua família. 

Hereditário é outro longa que ficará para sempre comigo. Sua história é tão pesada que penso em não revê-lo ou, pelo menos, não tão cedo. Seus personagens e suas cargas emocionais negativas estão aqui comigo ainda e me pego revendo cenas mentais, não tentando entendê-las, a história é muito clara, mas tentando processá-las. 

Tony Collete, uma grande atriz verdade seja escancarada, entregou tudo de si nesta atuação e seu protagonismo é um dos melhores em anos. A cena da mesa de jantar (sem spoilers, fiquem tranquilos) me deixou tensa, furiosa, triste, indignada e me fez perceber como o mal se traduz em muitos sentidos, não apenas no sobrenatural, dentro de uma família. É corriqueiro, é comum até, e acho que por ser uma discussão tão plausível, me arrematou.
Toni Collete parecidíssima com Shelley Duvall e suas caretas em O Iluminado.
Chocada com essa semelhança! 
Alex Wolff é um adolescente apático e rejeitado, que quando tem que entregar o choque de seu personagem o faz muito bem. Ele tem a vantagem de ser apenas uma escada para atuação de Collete, portanto não é necessário grandes explosões de atuação de sua parte. 
Alex Wolff e tenho é dó. 
Se a intenção do diretor estreante, Ari Aster, ao escalar Milly Shapiro possuía o sentido de atormentar o espectador com a aura sinistra e misteriosa da garota Charlie, conseguiu. Shapiro transparecesse muito bem (ou muito mal) uma criança deslocada não apenas na própria família, mas também na sintonia do mundo ao seu redor. O tempo todo eu desconfiava dessa garota! 
Milly Shapiro e medo eterno de Charlie Graham.

Gabriel Byrne, saudades de Gabriel Byrne que eu estava, está lá para ser o patriarca pé  no chão que tenta transformar o núcleo dos Graham em algo parecido com família. Não há pedidos para atuações espetaculares dele, seu personagem é mais o tipo reativo, porém, como um veterano que é entrega muito bem no papel.
Personagem de Gabriel Byrne tentando fazer sua família parecer normal.
E sobre o filme em si, sua direção e sua mensagem, vamos a ela. Existem uns planos nessa narrativa que é agonia pura e provocam a ansiedade tensa que te faz ficar duro na cadeira. Minhas unhas foram pro espaço! O plot twist da trama (não sei se é bem um twist, mas de certo me pegou desprevenida) é a primeira onda de choque que levamos ao assistir Hereditário. É cru, é seco e é estranho. Estranho porque me provocou um sentimento distinto de uma compaixão humana, que é o que pediria no momento. Por um lado me senti aliviada e por outro incomodada. É esse tipo de dicotomia que o filme faz constantemente. Você aceita as ações de Annie Graham, mas também quer estapeá-la e vai, digamos, "enlouquecendo" junto com ela. 

É muito interessante como Hereditário se galga no drama por mais da metade do filme e chega um ponto que nós esquecemos que estamos assistindo a um terror até ele retornar com morbidez. O fato dele ficar boa parte discutindo relações familiares e o luto, não invalida, entretanto, sua experiência angustiante.  A dor e as falhas humanas dão o ponta pé inicial à trama e se unem ao sobrenatural da metade para o fim, carregando uma dupla carga a quem assiste. É sério pessoal, não brinco quando digo que saí meio baleada na sessão.

Novamente voltamos ao assunto Pós-Terror. Pensei bem e vi vários videos sobre e cheguei a minha conclusão que este filme, que não é o susto pelo susto e a escatológia pela escatológia, tem um pano a mais sobre si. Eles são dramas em certos pontos, e tem críticas sociais embutidas, além de um modo muito mais intuitivo e paciente de mostrar o fator medo. Alguns até me remetem ao desconhecido abismal de H.P Lovecraft (Oi, Alien de 1979).
Alien, 1979. Morte e baba aguarda suas vítimas. 
O Bebê de Rosemary era sobre o nascimento do Anticristo, mas também falava sobre uma mulher manipulada pelas vaidades de um marido egocêntrico numa época em que a mulher só "brincava" de dona do lar. O Iluminado obriga Jack Torrance a confrontar sua própria verdade e o seduz irremediavelmente para seu lado corrompido. Corrente do Mal pode estar fazendo uma crítica a promiscuidade da juventude. Personal Shopper aborda as consequências da solidão humana. O Exorcista é a história de uma menina possuída por um demônio ou sobre os sentimentos de culpa, que constantemente nos corroem e podem destruir nossa fé. A Bruxa fala do fanatismo religioso e do que uma mulher deve esperar ser no mundo patriarcal e arcaico de séculos atrás. Pulse (o Japonês de Kyoshi Kurosawa) pode falar sobre os perigos e a contaminação virtual na mente dos jovens numa época em que 'surfar na internet' era novo. E por aí vai...

E Hereditário, do que ele nos fala? Relações familiares destruídas pelas expectativas que um depositou no outro, falta de diálogo e decepções embutidas por nossos pais e filhos. Ele nos fala como isso pode refletir numa pessoa até sua fase adulta e perpetuar aos seus descendentes... Uma nova geração dominada pela depressão e mágoas nunca saradas.

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