Dados da Obra
Nome: Os Detetives Selvagens
Autor: Roberto Bolaño
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 624
Tradução: Eduardo Brandão
"Os personagens principais deste livro são Ulises Lima e Arturo Belano, dois poetas que decidem investigar na década de 1970 o que teria acontecido com Cesárea Tinajero, uma misteriosa - e desaparecida - poeta da vanguarda mexicana do início do século XX. Mas embora a história gire em torno destes dois 'detetives selvagens', o verdadeiro detetive do romance é o leitor"As vezes nos aventuramos por histórias que já nas recomendações (e desrecomendações) nos parecem muito aquém daquilo que gostaríamos de ler ou do que está na nossa capacidade literária no momento. Digo, sem nenhuma vergonha, que Os Detetives Selvagens é um romance que foi muito além daquilo que eu tive capacidade de absorver da obra.
Antes de embarcar em sua leitura (e sabe-se lá como eu cheguei na obra e me interessei por ela, minha memória tá complicada) procurei algumas resenhas, afinal esse calhamaço não está entre os mais baratos do catálogo da Companhia das Letras. Encontrei muita gente enaltecendo a obra a níveis épicos, mas também encontrei alguns perdidos no balaio de opiniões, dizendo que não era isso tudo. Por curiosidade tripla: nunca havia lido Bolaño, nunca havia lido um autor chileno e empolgada com quem gostou, acabei adquirindo meu exemplar e comecei a lê-lo.
A história é divida em três partes. Na primeira acompanhamos o diário de García Madero, um personagem que nos introduzirá ao movimento real-visceralista, uma trupe de poetas mexicanos juvenis na década de 70 e suas figuras principais, Arturo Belano e Ulises Lima. Na segunda parte, somos puxados bruscamente dos escritos García Madero para uma série de depoimentos de pessoas que, em algum ponto das próximas duas décadas, vão se ligar a Arturo e Ulises. Esta é a maior parte da história correspondendo, em média, a quatrocentas páginas do miolo. No último ato, retornamos ao diário de Madero e o desenrolar final da grande pergunta de Os Detetives Selvagens: o que aconteceu a poeta Cesárea Tinajero?
Dado esse pequeno resumo da estrutura do livro aliado à sinopse, vem a pergunta: É possível se interessar por esta premissa? Minha resposta é sim. O estilo narrativo incomum que Bolaño escolheu para contar esse romance detetivesco deve ser o motivador para a qualidade de obra prima que este livro ganhou. Originalidade é sempre um mérito. Ao longo de suas páginas somos nós, o leitor-detetive, quem deve colher as informações para montar o caso Cesárea Tinajero e as aventuras de Arturo e Ulises pelo mundo, apenas nos valendo de relatos de terceiros, como acontece com um detetive quando tem somente depoimentos para guiar seu caso.
Além de tentar encaixar as peças da trama central, conhecemos uma quantidade infinita de personagens diferentes. Pessoas egoístas, perdidas, sonhadoras, engajadas, frustradas, inocentes, promiscuas, dementes e doentes. A narrativa é altamente realista (real visceralista?!) e a decadência de uma juventude setentista está sempre sufocando a vida dentro dos depoimentos e dos diários de García Madero.
Particularmente me impressionou a capacidade com que Roberto Bolaño consegue contar um relato que é na sua essência apenas um fio de história, com tamanho realismo e profundidade. Os pormenores de cada personagem nunca se repetem, a criatividade para montar sentimentos e situações é enorme, como se, de fato, estivéssemos nos sentando com uma pessoa de verdade e ouvindo sobre o que ela tem a nos acrescentar enquanto pontua seu falatório com reflexões dispersas acerca de si.
Entretanto, ainda que eu ficasse impressionada com a qualidade de construção do autor, eu oscilava entre achar a leitura muito interessante ou completamente entediante. É uma dicotomia curiosa, mas vou explicar: foi uma tarefa árdua (e sem sucesso) ligar os pontos entre os relatos, a história de Arturo Belano e Ulises Lima com o caso Cesárea Tinajero, e entender o "porquê" ou "qual a finalidade" em cada depoimento, que não parecia ter nenhuma lógica com o que a sinopse se propunha.
Me incomodou desejar que o livro terminasse de uma vez quando em dado ponto, um pouco além da metade da história, percebi que eu não captaria a essência do que o autor gostaria de passar. A conclusão veio apenas a confirmar minha decepção. Senti que deixei uma grande experiência escorrer pelas páginas, transformadas em meras horas de monotonia literária com raros rompantes de empolgação. E não, não entendi o final do livro.
Revendo as resenhas que tanto me empolgaram antes de ler Os Detetives Selvagens e mais algumas críticas sobre este trabalho e sobre o chileno Roberto Bolaño no geral, entendi que o livro é quase autobiográfico no qual o autor se inspirou em sua própria juventude e experiências transviadas. Mais do que isto, na realidade latino americana, sobretudo o México da década de 70/80. O mistério que ronda a história é somente um pano de fundo no qual ele se valeu para povoar com suas narrativas sobre sua geração. Não duvido nada que Arturo Belano não seja o único personagem completamente baseado em alguém real que passou por sua vida, no caso de Arturo ele mesmo.
Os Detetives Selvagens nos leva para o México dos anos 70, no coração de uma juventude errática em tempos de intensas mudanças políticas no mundo. Nos apresenta personagens completamente humanos e falhos com uma crueza que somente a vida real consegue igualar-se, mas pode ser uma leitura desastrosa caso você não esteja inserido no verdadeiro objetivo da história que não é o mistério detetivesco sobre Cesárea Tinajero e sim o contexto histórico (e biográfico) em que o autor se baseou para criá-lo. Você pode terminar o livro tendo uma das maiores experiências literárias de sua vida ou, como alguém que passeia por um museu de artes, ora vendo obras sensacionais ora não entendendo o que deveria significar uma tela de aspecto estranho, numa montanha russa de altos e baixos.
[...] e vi essa mulher andar por aquelas ruas outra vez, pela Loreto, Soledad, Correo Mayor, Moneda, eu a vi atravessar rapidamente o Zócalo, ah, que visão, uma mulher de vinte e tantos anos na década de 20 atravessando o Zócalo com tanta pressa como se estivesse atrasada para o encontro com o namorado ou como se fosse para o batente numa loja do centro, uma mulher vestida discretamente, com roupas baratas mas bonitas, com o cabelo negro de azeviche, as costas firmes, as pernas não muito compridas mas com a graça inigualável das pernas de todas as mulheres jovens, sejam pernas magras, gordas ou bem torneadas, pernas tenras e decididas, calçando sapatos sem salto ou com um saltinho mínimo, baratos mas bonitos e principalmente confortáveis, feitos como que de propósito para andar depressa, para chegar na hora a um encontro ou ao trabalho, mas sei que ela não vai a nenhum encontro e que não a esperam em nenhum trabalho. Aonde ela vai então? Ou será que não a lugar nenhum e que essa é a sua maneira habitual de andar? Agora a mulher já atravessou o Zócalo e segue pela Monte de Piedad até a Tacuba, onde o movimento maior, e ela não vai poder andar tão depressa, continua pela Tacuba, desacelerado, e por um instante a multidão a rouba de mim, mas logo volta a aparecer, lá está ela, andando em direção à Alameda, ou pode ser que pare antes, no correio, porque agora distingo com nitidez em suas mãos uns papéis, cartas talvez, mas ela não entra no correio, cruza até a Alameda e pára, parece que pára para respirar, depois continua a andar, no mesmo ritmo, pelos jardins, debaixo das árvores, e assim como há mulheres que enxergam o futuro, eu enxergo o passado, enxergo o passado do México e vejo as costas dessa mulher que se afasta do meu sonho, e digo a ela, aonde você vai, Cesárea?, aonde você vai, Cesárea Tinajero?.
Nota 3/5
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