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O horror narrado em Nosferatu, de Joe Hill


 O que você daria para passar a vida inteira em um lugar onde todas as manhãs fossem Natal e a infelicidade fosse contra a lei?!?
Qual criancinha, e até mesmo adulto, não se renderia a algo assim? Um lugar onde todos os dias fossem Natal, um lugar onde não haveria dores, tristezas, onde cada minuto seria banhado a sorrisos, comidas gostosas e brincadeiras? 

Pois é essa a terra criada por Charlie Talent Manx, um homem tenebroso, esquisito e maldoso capaz de provocar um medinho em quem o encontrar. Mas como Charlie Manx pode ter criado uma terra chamada de "Terra do Natal"?

É ai onde se encontra todo enredo de Nosferato, de Joe Hill.

Em princípio, ao começar essa leitura, podemos nos perguntar o que ela nos reserva, afinal o autor nada mais é que o filho de Stephen King e, nesse sentido, comparar ou esperar algo ao nível é o mínimo para qualquer ser humano comum.

A espera, para mim, foi melhor do que a esperada. Joe Hill conseguiu me prender do início ao fim, mesmo sendo este um livro consideravelmente grande, cuja leitura foi feita em celular. A escrita é clara, fácil, a tradução impecável. Uma história envolvente que te faz se perder em seu próprio mundo imaginário. 

Nosferatu e seu Rolls Royce, por nelsondaniel,
em Deviantart.
Charlie Manx é um homem diferente do esperado. Ele tem habilidades superiores a de qualquer pessoa comum e, através dos poderes de sua mente, foi capaz de criar esse mundo maravilhoso onde crianças não sofreriam. 

"Ele era muito velho, sem falar que era horroroso. Seu imenso crânio calvo era um globo que parecia uma lua alienígena, cheia de continentes marcados por manchas senis e sarcomas da mesma cor de hematomas. Dentre todos os pacientes da unidade de cuidados prolongados – também conhecida como Recanto dos Vegetais –, o mais nefasto era Charlie Manx, que fora abrir os olhos justamente naquela época do ano. "

Para Charlie Manx, crianças deveriam ser felizes sempre e sempre, e os problemas e as dificuldades enfrentadas pelos adultos não deveriam influenciar ou entristecer esses pobres seres. 

Dessa forma, usando sua principal habilidade, o teletransporte (ou algo desse tipo), conduz essas crianças desafortunadas em seu Rolls-Royce de placa NOSFA2 ao mundo mágico por ele criado, mesmo que, aos nossos olhos, esse mundo seja totalmente macabro e infeliz.

Essa é uma boa jogada de Joe Hill, pois ao evidenciar as idealizações de Charlie Manx, ele cria no leitor a repulsa por aqueles pensamentos, mas mostra de forma muito clara que na mente dele, nada daquilo é errado, tudo é bom e feliz, e que ele é um quase herói que salva crianças maltratadas de suas condições infelizes, mesmo que as sequestre para isso.

Vic em sua primeira viagem, O Atalho,
em Pinterest
Victoria McQueen, a protagonista, é alguém que tem um dom especial: ela também consegue se teletransportar através dos mundos, usando sua mente, quando está em companhia de sua bicicleta, atravessando "o atalho".

Vic é uma pessoa comum, como qualquer outra pessoa comum, com problemas e vida comuns. Uma família relativamente problemática e a necessidade de fuga dessa realidade irritante.

Durante muitos anos, Vic esconde o seu segredo, sabendo que ninguém acreditaria nela. Ela mesmo não entende sua capacidade de viajar através de mundos, porém, em sua vida adulta, encontra quem a escute. 

A apenas uma única grande ressalva na vida da nossa protagonista: Vic é a única criança que já conseguiu escapar da viagem em caminho à Terra do Natal e, durante uma de suas escapadas aos mundos imaginários que ela cria, encontra-se com Charlie, que a reconhece, iniciando ai a intensa trama dessa narrativa.  

Nosferatu ainda nos apresenta personagens fantásticos como Maggie, uma espécie de amiga de Victoria, Lou, namorado de Victoria e O Homem da Máscara de Gás, o ajudante de Charlie. O livro também aborda temas relevantes como drogas, alcoolismo, abuso infantil, violência contra mulheres, psicopatia e a incessante luta pela vida. Em Nosferatu, os monstros não estão sob a cama ou escondidos nos armários, mas ao nosso lado, dentro de nós.

E, é claro, não poderia deixar de falar da maravilhosa Terra do Natal, o lugar perfeito onde todos querem viver. 

A forma como Charlie fala de sua terra perfeita, o amor que a ela ele demonstra, assim como o cuidado que ele aparenta ter por todas as crianças que ele "salva" deixa ainda mais evidente os problemas psicóticos que ele tem: Charlie não entende as barbáries que pratica. Em sua cabeça, tudo o que faz está correto e é bom. É ai que entra o conflito do leitor: ter ódio ou pena desse ser?

A Terra do Natal, em Deviantart.
"Na Terra do Natal é Natal todos os dias e as crianças de lá nunca sentem nada que se assemelhe à infelicidade. Não, as crianças de lá nem entendem o conceito de infelicidade! Tudo que existe é diversão. É como o paraíso... só que, naturalmente, elas não estão mortas! Elas vivem para sempre, permanecem crianças por toda a eternidade e nunca são obrigadas a lutar, suar e se rebaixar como nós, pobres adultos."

Nosferatu é aquele tipo de livro que você praticamente engole. Mesmo com suas 624 páginas, é quase impossível não tentar terminá-lo o quanto antes. Joe Hill consegue através da sua escrita e da perfeita criação das personagens, nos enlaçar em sua trama sem nos dar a possibilidade de, sequer, respirar.

O livro é marcado por reviravoltas, você se surpreende do início ao fim e quando acha que nada mais vai te abater, PÁ, lá está você novamente abatido. 

Hill mistura fantasia e realidade de um modo surpreende, assustador, envolvente, que vai te deixar imaginando coisas por um tempo (ao menos eu fiquei). Ele apresenta mostra de forma clara e simples a realidade de que os monstros estão em nós, que os monstros somos nós, além de trazer várias referências aos livros de Stephen King e outros autores ao longo da narrativa.

Joe Hill consegue nos envolver com a jornada de Victoria McQueen e Charlie Manx, fazendo com que, na maioria do tempo, não consigamos distinguir o que é real do que é fictício. A escrita é tão próxima de nossa realidade que fica complicado tirá-la da nossa vivência após o seu término (eu, por exemplo, li em 2015 e ainda estou aqui, recomendando a todos).

No fim, você termina a leitura com a sensação de que precisa desabafar, a sensação de que algo não está bem, uma sensação desesperadora de colocar suas emoções para fora. E sabe o que vai acontecer? Provavelmente você vai ficar entalado com essas sensações, porque não vai encontrar ninguém para compartilhá-las com você, então, compartilha comigo!

Dados da obra
Livro: Nosferatu
Autor: Joe Hill
Tradução: Fernanda Abreu
Editora: Arqueiro
Lançamento: 2014
624 páginas 
Nota: 5/5

Gostaria de ler?

Está à venda em Submarino, Amazon e também para download.

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